Reforma na Previdência vai aumentar tempo de trabalho
O trabalhador brasileiro terá que ficar mais tempo na ativa e, assim, contribuir por um período maior para a Previdência Social. Essa é uma certeza que está afirmada nas propostas da reforma previdenciária elaborada pela equipe econômica do presidente interino Michel Temer.
O Governo Federal pretende apresentar estas propostas para votação no Congresso Nacional ainda este ano. Em recentes entrevistas, o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, indicou que a ideia central é a de que as mudanças atinjam empregados de empresas privadas e servidores públicos. “Talvez não unifiquemos o sistema, mas vamos unificar as regras. O problema é que o buraco é muito grande. Agora, é fazer ou fazer”. Nos cálculos do governo o rombo na Previdência será de quase R$ 150 bilhões em 2016 e poderá chegar a R$ 180 bilhões em 2017.
A reforma da Previdência, da maneira como está sendo desenhada, deverá afetar a todos os trabalhadores. As mudanças mais drásticas valerão para quem tiver até 50 anos, tanto na iniciativa privada como no setor público. Acima desta faixa etária haverá um “pedágio” para quem quiser se aposentar, a chamada regra de transição, prevendo um período adicional de trabalho de 40% a 50% do tempo que falta para que se tenha direito ao benefício.
Outra ideia debatida pelo grupo de trabalho do presidente em exercício Michel Temer é que a idade mínima para que o trabalhador dê entrada em sua aposentadoria seja de 65 anos, no caso de homens, e de 62 para mulheres.
Na visão dos especialistas e acadêmicos em Direito Previdenciário, o governo terá dificuldades em aprovar as atuais propostas e as mudanças devem ser debatidas de forma transparente com toda a sociedade.
O professor e autor de obras em Direito Previdenciário, Wladimir Novaes Martinez, observa que o governo sabe que terá muitas dificuldades políticas para aprovar as medidas técnicas necessárias. “A adoção de regras de transição atende à justa pretensão dos beneficiários e se trata de uma solução jurídica válida – isso já aconteceu com a Emenda Constitucional 20/98. Assim, o trabalhador tem de pensar em um planejamento previdenciário, o que não tem sido usual. Popularmente ninguém gosta de mudanças no meio do jogo e isso traz problemas de variada ordem”.
Para o professor de Direito Previdenciário Adriano Mauss é necessário um amplo e aberto debate sobre as mudanças e cálculos do governo com a sociedade. “Caso o governo abra o debate para toda a sociedade e entidades envolvidas, terá que esclarecer efetivamente quais os reais valores gastos pela Seguridade Social e também o que ela arrecada de tributos para o seu custeio. Essa é a eterna briga entre o Governo e quem defende a manutenção das regras de benefícios. Se o debate fosse franco e aberto a conclusão que poderia se chegar não seria a que o Governo defende, não sendo interessante, do ponto de vista institucional”.
Mauss defende que não há como fazer uma reforma previdenciária coerente se não for estabelecido um amplo debate com a sociedade. “É necessário saber ao certo quais os números relativos às receitas e às despesas efetivadas ao sistema previdenciário. Existe uma grande dificuldade em estabelecer qual o real déficit do sistema de Seguridade Social, pois os dados não são precisos”, explica.
Essa tese é reforçada pelo professor e autor de obras em Direto Previdenciário, Marco Aurélio Serau Junior. “A proposta vem sendo debatida internamente pelo governo e deve ser, necessariamente, estendida à sociedade. É muito importante que o governo troque informações com a Defensoria Pública, a Ordem dos Advogados do Brasil, associações de aposentados, associações de classes, acadêmicos, Ministério Público, enfim com todos os setores necessários para chegar numa proposta mais justa”, pontua.
O advogado João Badari, especialista em Direito Previdenciário e sócio do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados, aponta que se as alterações no sistema forem realmente as anunciadas pelo governo, significam um enorme retrocesso social.
“A criação de uma idade mínima é uma afronta aos direitos já conquistados pelo aposentado, pois estará extinguindo, por exemplo, a aposentadoria por tempo de contribuição. Não é restringindo o acesso aos benefícios que o governo vai achar uma saída mais justa para os segurados”, avalia Badari.
Obstáculos
Entre os principais obstáculos que serão enfrentados pelo governo na aprovação da reforma está a unificação de regimes previdenciários de funcionários privados e servidores públicos. Apesar de ser um modelo adotado por diversos países, de acordo com os especialistas, no Brasil existem razões históricas que justificam o regime diferenciado.
“A unificação de regimes previdenciários é, normalmente, a regra nos demais países. No Direito brasileiro existem razões históricas que justificam os regimes previdenciários diferenciados para os servidores. Os funcionários públicos têm benefícios e exigências administrativas na carreira que são diferentes dos empregados privados, como, por exemplo, não ter direito ao FGTS. Existem motivos para manutenção dos regimes diferenciados”, avalia Serau Junior.
Na avaliação do professor Wladimir Martinez, unificar os dois regimes não é uma saída, mas uma medida jurídica necessária em face do que dispõe a Constituição Federal, no princípio da universalização. “Todavia, creio que o sucesso dessa tese depende de um amplíssimo estudo sobre as distinções que subsistem e que devem ser preservadas entre servidor e trabalhador. A despeito de algumas mazelas pontuais, creio que o servidor deve ser distinguido pelo que ele serve; caso contrário, a melhor mão de obra não ficará no governo, mas o problema é mais complexo”, alerta.
A transição para a reforma também é um assunto que gera bastante dúvida e polêmica. O governa sinaliza que só terão direito às regras de transição pessoas com 50 anos ou mais e que para se aposentar terão de pagar uma espécie de “pedágio” de 40% a 50% a ser acrescido ao tempo que ainda restar de contribuição. Ou seja, neste caso se o trabalhador ainda tiver um ano para se aposentar, será preciso permanecer na ativa por pelo menos mais cinco ou seis meses.
E para aqueles trabalhadores com menos de 50 anos, a transição deverá ser mais dura. Uma mulher com 49 anos de idade e 26 anos de contribuição, por exemplo, precisará trabalhar mais 13 anos para se aposentar. Atualmente, seriam necessários oito anos.
“Uma regra de transição com pedágio de 40% já foi utilizada pela Emenda Constitucional nº 20, em 1998, acho que foi um critério que garantiu aos segurados do RGPS da época uma forma justa de transição. Afinal, quem tinha mais tempo na época da reforma teria que pagar menos, já os que tinham pouco tempo teriam que pagar mais. Hoje, no entanto, temos regras mais complexas para concessão dos benefícios, tais como o critério 85/95 e o fator previdenciário. Se essa regra proporcional também não abarcar as regras de cálculo do benefício, minimizando os efeitos do fator previdenciário, principalmente, os segurados em vias de se aposentar terão muitos prejuízos. Então, devem ser estudadas medidas de transição para o alcance do tempo e também para as regras de cálculo dos benefícios”, pontua Adriano Mauss.
A presidente do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), Jane Berwanger, acredita que “o pedágio é visto como uma alternativa já avalizada pelo Supremo Tribunal Federal em outro momento. E é considerado uma regra mais justa, porque leva em conta a expectativa de direito”.
Wladimir Martinez também acredita que “trata-se de uma alternativa válida para que as medidas não tenham de enfrentar ações de inconstitucionalidade. A questão que se impõe é qual será o percentual desse “pedágio”: de 25%, 40º% ou 50%, pois ele determinará quando teremos um razoável equilíbrio da Previdência Social. Pena que não estejam pensando em outras soluções, que não sejam não somente restrições à aposentadoria por tempo de contribuição, que poderia amenizar os problemas alegados”.
O professor Serau Junior ressalta que, embora atuarialmente esse raciocínio do “pedágio” seja defensável, a fixação da idade mínima neste mesmo contexto acaba sendo injusta.
”É um cenário discrepante da realidade social brasileira. Hoje, o brasileiro começa a trabalhar muito cedo e, após atingir uma certa idade não consegue manter sua empregabilidade. Pessoas com 50 anos ou mais dificilmente conseguem se manter no mercado formal. A partir deste estágio profissional, eles conseguem no máximo, estar na ativa com empregos informais. Então, apesar de atuarialmente seja defensável, a proposta é despregada da realidade social”, conclui.
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