Para trabalhadores e economistas, reforma da Previdência pode empobrecer o interior
Para os representantes dos trabalhadores rurais, a reforma da Previdência proposta pelo governo federal “é incompatível” com a economia da agricultura familiar e gerará exclusão social, empobrecimento e desemprego em amplas regiões no interior do país, podendo contribuir para a ocorrência de um novo êxodo rural. Eles participaram, nesta segunda-feira (5), de audiência pública na Comissão de Direitos Humanos e Legislação participativa (CDH) que discutiu os impactos da reforma da Previdência sobre os trabalhadores rurais.
Uma das participantes da audiência, Juliane Schneider, pequena agricultora na cidade de Selbach (RS), postou um vídeo nas redes sociais convidando parlamentares a “passarem pelo menos um mês trabalhando na roça” antes de votarem a reforma.
Para ela, a proposta (PEC 287/2016 – ainda em análise na Câmara dos Deputados) prejudica os trabalhadores da agricultura familiar, que ela vê como um dos “alicerces do país”. Um dos pontos mais criticados pela trabalhadora é o que estabelece contribuições mensais individuais por parte de cada trabalhador no setor.
– Isso vai totalmente contra a lógica da nossa atividade, sujeita o tempo todo a sazonalidades, a intempéries climáticas que afetam diretamente a produção e ao caráter coletivo que possui o trabalho na roça – disse Juliane, ressaltando também que a medida afeta o acesso à renda e cria uma dificuldade estrutural para a sucessão familiar, ao dificultar as aposentadorias.
Pequenas cidades prejudicadas
Para Edjane Silva, da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), o objetivo não-declarado do governo é “desmontar”, e não reformar o modelo de aposentadoria rural vigente no país.
A proposta também foi muito criticada pelo economista Alexandre Arbex, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), para quem o governo ignora deliberadamente o teor de política pública redistributiva que a Previdência rural possui, focando exclusivamente no debate fiscal de forma “manipuladora”.
– A aposentadoria rural tem um impacto gigantesco em 80% das cidades brasileiras, na geração de empregos, renda e negócios em municípios com até 50.000 habitantes. A reforma como está vai afetar muito a economia nessas cidades, por meio da diminuição do acesso à renda por parte de dezenas de milhões de trabalhadores – afirmou Arbex, lembrando ainda que as injeções de recursos fruto da Previdência supera o Fundo de Participação de Municípios (FPM) nessas localidades.
O economista também entende que o modelo de contribuições mensais individuais “é incompatível” com o trabalho rural, e que as regras especiais vigentes para o setor, como uma idade mínima menor, são justificáveis devido à penosidade da lida diária durante anos nessa área e pelo fato de começarem a trabalhar ainda muito jovens.
– É só observar os dados oficiais da Pesquisa Nacional de Saúde, que fica nítido o que décadas de trabalho na roça provoca nessas pessoas – afirmou, reforçando que parcela significativa começa a trabalhar com menos de 15 anos de idade.
Mulheres e jovens prejudicados
O modelo de contribuições mensais individuais também foi criticado por Jordana Ávila, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o que deverá levar à exclusão de dezenas de milhões de trabalhadores do sistema, especialmente mulheres e jovens, segundo avalia o movimento.
– O governo não demonstra ter o menor respeito pela agricultura familiar e o teor coletivo desta atividade. Como as produções são sazonais, não vai dar pra recolher pra toda a família. A tendência vai ser priorizar o pai – diz a representante do MST, outra que prevê um novo êxodo rural e até mesmo a queda na produção de alimentos caso a reforma seja aprovada.
O economista Guilherme Delgado, assessor da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), alertou ainda que ao contrário do que estaria sendo noticiado em alguns setores da mídia, o texto continua prevendo um tempo mínimo de 25 anos de contribuições mensais para os trabalhadores rurais.
– Essa regra perversa permanece de forma escamoteada, e pretende acabar com a aposentadoria rural. Tem de fato um artigo prevendo 15 anos de contribuições mensais para a aposentadoria, mas em seguida prevê seis contribuições a cada ano até o limite de 240 meses, a partir do terceiro ano da vigência – denunciou o economista.
Jane Berwanger, do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), considerou ainda “contraditório” o fato do governo estar anistiando dezenas de bilhões de reais de dívidas nesta área, em negociações com a bancada ruralista e com governadores e prefeitos, ao mesmo tempo em que garante que seu objetivo é “sanear as contas da Previdência”.