Declaração de união estável não basta para garantir pensão a viúva
A união estável, segundo a lei, exige convivência pública, continuidade e razoável duração da relação, além do desejo de constituição de família pelo casal. Assim, mesmo que exista documento público atestando a união estável, registrado em cartório, esse só é válido se atender tais requisitos, dispostos no artigo 1.723 do Código Civil. O entendimento levou a 22ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul a negar Apelação de uma mulher que teve indeferido o pedido de pensão após a morte de um servidor do estado com quem se relacionara.
Depois de ter o pedido negado pelo Instituto de Previdência do estado (Ipergs), a mulher ajuizou ação de reconhecimento de união estável na 2ª Vara da Fazenda Pública. Disse que só não casou legalmente porque o cartório de sua cidade natal não tinha mais sua certidão de nascimento, pois foi consumido por um incêndio. Alegou que, para se resguardarem, ambos lavraram escritura pública de consolidação de união estável em 2004, informando convivência matrimonial pelo período de cinco anos, e que seu companheiro até conseguiu cadastrá-la como dependente no Ipergs. No início do ano seguinte, o servidor morreu.
A juíza Carmen Carolina Cabral Caminha explicou que o artigo 9º da Lei 7.672/1982 — que dispensa a comprovação de dependência econômica para a mulher ou companheira do segurado do Ipergs — está de acordo a Constituição Federal, ou seja, dá igual tratamento e idêntica proteção conferida ao casamento à união estável, conferindo-lhe reflexos patrimoniais, alimentícios, sucessórios e previdenciários.
Entretanto, para a magistrada, o caso dos autos aproxima-se do denominado ‘‘casamento-negócio’’, pois o documento assinado no cartório teve a finalidade de criar segurança jurídica para que a autora viesse a se beneficiar da pensão pós-morte do segurado. Nesse sentido, citou precedente o desembargador aposentado Vasco Della Giustina: ‘‘Vício embutido na vontade dos contraentes, com simulação da vontade de constituição de vida em comum, quando o casamento apenas serviu como meio de conferir à nubente a qualidade de dependente, com posterior pensão previdenciária. Matéria de interesse público, não só por afetar a formação da família, mas por traduzir, por igual, burla ao espírito do Código Civil e às normas previdenciárias, assim como ofensa à moral média, transacionando-se bem indisponível, como se negócio fosse. Idade dos nubentes. Ancião, de 91 anos, que casa com mulher 43 anos mais jovem, morrendo, pouco depois, de câncer’’.
Segundo a julgadora, embora a escritura seja dotada de fé pública, o reconhecimento de união estável, com o intuito de dependência na autarquia previdenciária, exige provas robustas de convivência há mais de cinco anos. É o que dispõe, aliás, o próprio artigo 9º do Estatuto de Ipergs, em seu inciso II.
‘‘No entanto, a escritura pública em comento foi firmada apenas em 2004, de modo que a declaração retroativa dos cinco anos não é suficiente para a comprovação inequívoca da relação mantida entre a autora e o extinto servidor. E mais, consoante os documentos que aportaram nos autos, verifica-se que a autora apenas restou divorciada de AG em março de 2003, o que quebra o lapso temporal de cinco anos de união estável ora pretendido’’, afirmou, julgando improcedente a ação.
Fraude previdenciária
O relator do recurso de apelação na corte, desembargador José Aquino Flôres de Camargo, convenceu-se de que a autora não conseguiu provar a existência de uma relação de casal com o segurado, qualificada pela comunhão de interesses, o respeito mútuo e a fidelidade, como um núcleo familiar. A seu ver, a escritura pública prova sua formação e os fatos presenciados pelo tabelião que a lavrou, mas não garante prova absoluta dos fatos nela declarados pelas partes, que não prescindem de comprovação naquele âmbito.
Aquino destacou que a escritura pública foi firmada sete meses antes da morte do servidor, quando este já lutava contra o diabetes e o câncer. ‘‘Embora não seja óbice [a diferença de idade] à caracterização da união estável, é sugestiva a cautela na interpretação de uma relação que se consolidou sob tais premissas’’, observou.
O relator pontuou que não há prova de que a mulher tenha acompanhado os últimos dias de vida do companheiro, já que a certidão de óbito foi lavrada por terceiro, constando que o morto era solteiro. ‘‘Aqui, parece flagrante que a intenção das partes, ao firmar a escritura pública de união estável, era permitir à ora apelante ser reconhecida como beneficiária da pensão por morte do segurado; o que, a toda evidência, não pode ser convalidado, pena de se permitir uma verdadeira fraude contra a autarquia previdenciária’’, escreveu no voto. O acórdão foi lavrado na sessão de 13 de outubro.
Fonte: Conjur